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TEMA ESPECIAL

A história de Fraiburgo

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A HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE FRAIBURGO

(para poetas)

 

1. Introdução

 

A história de um município nunca começa na data de sua emancipação política. Ela avança na noite dos tempos, e perseguir a origem de uma vila que mais tarde se tornará cidade, é uma tarefa obstinada, e muitas vezes inglória.

Porque nela se mesclam o registro oficial, os antepassados esquecidos, as lendas e mitos de uma ancestralidade remota, e ainda, a aculturação recente operada pela migração tardia.

Este é o contexto que encontramos em Fraiburgo quando se busca reconstituir a história da cidade.

Para compreender a evolução do povoado para a vila, e depois para a próspera cidade que já foi a maior produtora de maçã do país, é necessária uma digressão mais profunda, em antecedentes que remontam quase três séculos, com objetivo de entender as várias nuances da conformação do Estado, da região, e depois do próprio Município.

Para aí sim, termos a completude da história de Fraiburgo, em suas mais diversas representações culturais.

Este texto não supera a pesquisa de abalizados pesquisadores, como o professor Dr. Marlon Brandt, filho ilustre da terra, que destacou duas de suas pesquisas acadêmicas para prescrutar a origem de Fraiburgo.

Nem a sapiente contribuição do saudoso professor Dr. Nilson Thomé, em suas obras referenciais sobre o povoamento de nossa região.

Tampouco afastam as considerações de Willy Frey (Lá nos Frai), Thomas J. Burke (Fraiburgo - do Machado ao Computador), Maurício Vinhas de Queiroz (Messianismo e Conflito Social), Gentila Porto Lopes (Glória dos Pioneiro) e Licurgo Costa (O Continente das Lagens).

Aliás, estas obras serviram como esteio para este caminho que se pretende recordar e poetizar.

Sendo este poeta, um tropeiro, é mister que me caiba a função de madrinheiro, para indicar à comitiva o caminho.

O trilho da história por onde andou origem do povo de Fraiburgo.

E é esta história, resgatada em prosa, que se pretende ouvir no futuro, em versos.

 

2. As rotas tropeiras

 

Até 1720, a região do planalto do atual território de Santa Catarina, era despovoada pelo homem branco. Aqui habitavam as tribos Kaingang, e uma subdivisão mais belicosa, que com o tempo passou a ser denominada de Xokleng.

O Kaingang era o indígena que vivia nos campos do planalto, habitando especialmente as áreas abertas, enquanto os Xokleng preferiam viver nas matas de araucária.

As duas tribos consideravam a araucária uma árvore sagrada, e viviam em certa harmonia, com alguns conflitos ocasionais.

Neste período, a Colônia de Sacramento (cidadela fundada pelos lusitanos ao sul do atual território do Uruguai), produzia grande volume de gado, que era destinado para venda nas feiras em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O trajeto era feito a passo, seguindo pela costa brasileira no caminho denominado “Estrada do Mar”. Mas era uma rota tortuosa e de difícil acesso.

Em 1728, Francisco de Souza Faria, conhecido desbravador lagunense, foi incumbido pela Coroa Portuguesa de criar um acesso entre Araranguá e os Campos Gerais, como era conhecida a região do sudeste do Paraná.

Para isso, ele iniciou a abertura de uma picada, por um caminho de tropas que não era exatamente usual, mas que já era utilizado por alguns tropeiros de cargas.

É importante fazer essa distinção.

Os tropeiros de cargas, geralmente se deslocavam por trechos menos movimentados. Por caminhos mais isolados ou desconhecidos.

Há na literatura e nos registros históricos, ampla bibliografia que corrobora esta informação. Primeiro, porque transportando cargas, estavam os tropeiros mais expostos aos salteadores da estrada.

Poderiam ser roubados e inclusive mortos. Então, andavam por caminhos ocultos, tendo cuidado para cruzar territórios onde os nativos fossem mais amistosos.

Segundo, porque as tropas de mulas de carga, seguiam com certa facilidade pelas picadas abertas na mata, não sendo necessária estrada de grande leito, ou mesmo, campos abertos e pastiçais, como no caso das tropas de gado.

Assim, nasce a estrada que sobe a Serra do Rio do Rastro, entre os atuais municípios de Lauro Müller e Bom Jardim da Serra.

Mas o caminho era igualmente complicado.

Em 1732, o desbravador e tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu recebe da Coroa Portuguesa, a incumbência de alargar o caminho aberto por Souza Faria. E ao longo de treze meses, o capitão atravessa o trecho, construindo pontes, desbravando a mata e implementando um trajeto mais a oeste, passando pela Vacaria dos Pinhais, e que tornou possível a ocupação do sul.

Levou consigo 60 tropeiros e três mil cabeças de gado.

Essa rota passou a ser chamada de Estrada da Mata, e deu origem à BR 116.

Pelas quatro décadas seguintes, o caminho da Estrada da Mata foi sendo ocupado, por birivas. Antigos tropeiros que se assentavam à beira do caminho, e passavam a criar gado e mulas na região.

Em 1766 o governo da Capitania de São Paulo deliberou fundar uma vila na região do planalto. Para isso, nomeou o sertanista Antonio Correia Pinto de Macedo para o título de Capitão “Guarda-Mor”, com poderes e recursos para ocupar a região serrana.

Correia Pinto fundou um povoado que foi atacado pelos indígenas, e depois varrido por uma enchente. Persistente, fundou a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens (atual cidade de Lages), em maio de 1771.

Como paga, recebeu um território que se estendia de Lages até as bordas do planalto, onde o relevo dos campos dava lugar a um rio tortuoso, que era conhecido dos tropeiros da região. Esse território era o espaço onde está a cidade de Fraiburgo.

As terras marcadas para Correia Pinto, passaram a ser os “Campos do Guarda-Mor”, e deram origem a Lages, que mais tarde desmembrou Curitibanos (1862), e que por fim deu origem a Fraiburgo (1961).

Em Lages, Curitibanos e Fraiburgo, ainda existem localidades denominadas de “Guarda-Mor”, ou fazendas que emprestam este nome, em alusão aos campos de Correia Pinto.

Não por menos, mais tarde quando a família Frey veio para a região adquirir sua primeira gleba de terras, o fez comprando as fazendas que pertenciam a Belisário Ramos, e seu filho Aristiliano. Estancieiros e políticos lageanos que eram descendentes de Correia Pinto, e que ainda mantinham a propriedade de áreas de terras herdada do Capitão-Mor.

Os caminhos de tropas vão se popularizando, e na busca de uma travessia mais a oeste, objetivando esquiva da passagem pelo Rio Marombas (em Curitibanos), é estabelecida uma rota pelo interior dos atuais municípios de Campos Novos, Fraiburgo e Curitibanos.

Em 1850, Zacharias de Paula Xavier tropeiro de Curitiba que cruzava com frequência por este caminho de tropas, adquire uma área de terras na região, às margens da atual SC 355, no território entre os atuais Municípios de Fraiburgo e Lebon Régis, e batiza a propriedade como “Fazenda Butiá Verde”.

A Fazenda passou a criar gado, mulas e porcos em grande número, e passou a ser ao longo dos anos, um concorrido ponto de paragem de tropas.

Isso gerando múltiplos caminhos de acesso à fazenda, abertos no formato de picadas pelo meio da mata, e que mais tarde se tornam rotas de travessia dos viajantes.

O capitão do Exército José Vieira da Rosa, registra em seu diário que os caminhos que afluíam para a Fazenda Butiá Verde se assemelhavam à veias abertas sobre o chão, e que quando se chegava a este entroncamento, ninguém sabia exatamente para onde ia, a considerar a ausência de marcação.

Por isso, os tropeiros passaram a chamá-lo de “Campo da Dúvida”.

Este Campo da Dúvida, marca exatamente o lugar onde fica a cidade de Fraiburgo.

Em 1870, dois tropeiros gaúchos que cruzavam habitualmente a região ocupam parte dos campos na margem sudoeste do Campo da Dúvida.

Eram Generoso Ribeiro de Andrade e Porfírio José de Oliveira.

Os dois vieram com suas famílias e passaram a criar gado e mulas na região, legitimando sua posse mais tarde, para convertê-la em propriedade.

No lugar encontraram uma tribo de índios de não pareciam pertencer aos Kaingang. E igualmente, não eram Xokleng.

A líder era uma índia mais velha que se autodenominava “Liberata”, e falava uma mescla de língua nativa, português e espanhol.

Não se excluiu a possibilidade ao longo dos anos, de que Liberata fosse uma remanescente de uma das tantas tribos que fugiram da região das Missões e migraram para Santa Catarina.

A índia vivia com sua família num toldo (uma espécie de cabana rudimentar), às margens do caminho de tropas que cruzava a região.

Desde o início, no primeiro contato entre os birivas e os nativos, se estabeleceu um convívio pacífico, permeado pela troca de presentes e amenidades. E assim viveram longo período de forma tranquila.

Um dia, a índia não apareceu na fazenda. Por um longo período.

Os fazendeiros estranharam e foram até a aldeia. Lá encontraram o toldo vazio, e o corpo de Liberata enrolado num couro de boi. A tribo havia ido embora.

Os dois birivas enterraram Liberata no terreno sob o toldo, e concluíram que era uma tribo matriarcal. Quando a mãe morria, cada filho seguia seu caminho, e compunham novos núcleos sociais.

Mais tarde, quando os dois fazendeiros conseguiram legitimar a posse de suas terras, deram à propriedade o nome de “Fazenda Liberata”, em homenagem à velha índia. E por muitos anos, ela rivalizou com a Fazenda Butiá Verde, na produção de gado e porco para as feiras de animais no estado, e fora dele.

 

3. O caboclo e o Contestado

 

No tempo das grandes estâncias de gado, as regiões de araucárias não contribuíam para a formação do pasto nativo, necessário à engorda e recria.

Mas este ambiente era ideal para outra forma de criação: a de porcos. E foi para esta finalidade, que boa parte dos campos de araucárias, passou a ser utilizado.

Foi assim que surgiu o sistema de criação em encerras ou invernadas. Também designadas como faxinais.

Áreas em comum, utilizadas para engorda de porco alçado, ou livre, que se tornou uma boa opção de renda para os caboclos que habitavam a região.

O caboclo dos nossos sertões, era caracterizado principalmente pela mescla do índio kaingang e do tropeiro. Não raras são as histórias, de um biriva que conhecendo uma índia, com ela se casou, teve filhos, e formou uma extensa linhagem, que habitou os primeiros campos abertos do interior do Estado.

Nesta região, não se tem notícia de fazendas de escravizados. Por isso, a presença do negro, no planalto médio, é quase inexistente no contexto histórico. Diferentemente do Planalto Sul e da Região Serrana.

O imigrante europeu só irá desembarcar aqui, na primeira metade do século XX.

E por mais de duzentos anos, os únicos habitantes desta região, seriam os “bugres” e os “birivas”, que coabitavam de forma pacífica.

Até 1850, o território do Brasil, de maneira oficial, alcançava o marco do Cruzeiro, no atual território de Joaçaba.

A Argentina, aproveitando essa ocupação precária, tentou esticar suas fronteiras até a região de Palmas (Paraná), avançando quase 180km dentro do território brasileiro.

Essa discussão sobre a divisão entre Brasil e Argetina acabou sendo arbitrada por uma Corte Internacional, presidida pelo presidente norte-americano Glover Cleveland, que deu ganho de causa ao Brasil.

Mas esse julgamento só foi resolvido em 1895. Ou seja, as duas nações passaram quase 40 anos nessa disputa.

Com a decisão, o território contestado passa a ser brasileiro. Mas não restou estabelecido para qual Estado pertenceria a nova área.

O Paraná havia se tornado Estado, apenas em 1853. Até então, ele era uma parte do Estado de São Paulo. E a região Oeste do Paraná, e de parte de Santa Catarina, nunca havia sido de fato ocupada pelo Governo Brasileiro.

Com o novo território, começa uma disputa entre Santa Catarina e Paraná, por um território que compunha metade da região meio-oeste e do oeste catarinense. A disputa começa em 1900, e só termina em outubro de 1916, com um acordo celebrado entre os dois Estados.

A região que ficou em litígio, não poderia ser objeto de cobrança de imposto sobre a terra. De nenhum dos Estados.

E isso favoreceu a ocupação da região por posseiros, que vinham, se assentavam e ficavam. Especialmente motivados pelo governo do Paraná, que pretendia ocupar a faixa de terras abaixo dos campos de Palmas.

Com o tempo, a disputa se alargou, alcançando a vila de Canoinhas, que ficava longe do ponto inicial da marcação de territórios, demonstrando que a questão entre os dois Estados estava se acirrando.

Neste entremeio da disputa de territórios, entre Paraná e Santa Catarina, teremos ainda a construção da ferrovia que partia do Rio Grande do Sul, passando por Santa Catarina, Paraná e chegando a São Paulo.

A empresa encarregada da tarefa, foi a norte-americana Brazil Railway Company, de propriedade do industrial Percival Farquhar, que também era dono da madeireira Southern Brazil Lumber & Colonization Company.

Como o Governo Federal não tivesse dinheiro para pagar a obra da estrada de ferro, ofereceu à empresa como pagamento, a concessão para exploração comercial da ferrovia, e ainda, 15km de faixas de terra de cada lado da estrada, entre os Estados do Paraná e Santa Catarina.

Alguns autores afirmam que existiam muitos posseiros que viviam nessa região, e que esses posseiros foram expulsos da área de terras, formando parte do povo que mais tarde lutou na guerra do Contestado.

O objetivo da empresa, não era de fato a estrada em si, mas a madeira que ela poderia produzir em volta de si.

E por isso, o Percival Farquar criou uma serraria móvel (a já citada Lumber), que onde passava, cortava as matas de araucária, transportava para a região de São Paulo através do trilho do trem, e vendia tudo lá. E para isso, necessitava obviamente, de um grande contingente de trabalhadores. Era o ano de 1904.

Esses trabalhadores vieram especialmente do Paraná, acompanhando a construção da ferrovia, até o trecho de Santa Catarina, onde a estrada terminou.

Quando as atividades da estrada de ferro foram concluídas (1910), esse contingente de trabalhadores ficou sem ocupação.

Parte foi embora. Mas um número significativo ficou aqui, e se forma uma massa de andejos que se movem de um lado a outro, até que se instalam em pequenas vilas, autonominadas de “redutos”.

Estes grupos de pessoas que vieram da “região contestada” se acantonam nos “redutos”, sendo um deles instalado em Fraiburgo, na altura da localidade de Taquaruçu (trecho que fica entre os Municípios de Fraiburgo e Frei Rogério). Era o mês de junho de 1912.

O principal líder deste movimento é Miguel Lucena Boaventura.

Nesta época, Fraiburgo pertencia à Curitibanos, e era denominada ainda como “Guarda-Mor”.

Vivia nesta época pela região, um monge chamado José Maria. Seu nome verdadeiro seria Atanás Marcaff, e não se tem certeza sobre sua origem, mas se especula que veio da Argentina.

Atanás usava este nome para se aproximar de um monge italiano chamado João Maria, que percorria a região da Estrada da Mata, de Viamão a Sorocaba, fazendo incursões no interior do sertão catarinense. João Maria fora um homem a quem se atribuíam capacidades místicas e curativas, e o povo do interior tinha uma lembrança muito positiva de sua peregrinação.

Em agosto de 1912, José Maria é convidado a participar da festa do Senhor do Bom Jesus, na localidade de Taquaruçu. O monge foi acompanhado por cerca de 300 seguidores, e ali permaneceu por várias semanas, atendendo aos doentes e prescrevendo remédios.

Uma das pessoas que estava no local era um coronel, fazendeiro graúdo da região, chamado Francisco de Almeida, que era amigo de José Maria.

De outro lado tínhamos o coronel Franscisco de Albuquerque, um dos mandatários e o intendente da vila de Curitibanos. E rival declarado do coronel Almeida.

Sabendo que ele o Monge estavam juntos em Taquaruçu, Albuquerque tenta uma aproximação com José Maria. Sendo repelido, lhe toma como inimigo.

Num dos dias da festa, alguns sertanejos passam a dar vivas à Monarquia Celeste, dizendo que João Maria havia retornado e iria defender o povo com o exército Santo de São Sebastião.

A notícia de que se exaltava a Monarquia alcançou Curitibanos.

A República havia sido proclamada há pouco mais de 20 anos, e ainda havia muitos que considerava o novo regime algo maligno, a considerar que os positivistas que assumiram o governo a partir da gestão de Floriano Peixoto, defendiam muito abertamente a laicidade de Estado.

Desconfiado com o que acontecia e como era rival do coronel Almeida, Francisco Albuquerque envia um telegrama para a capital do estado pedindo auxílio contra os "rebeldes que proclamaram a monarquia em Taquaruçu".

O governo brasileiro da época, era comandado pelo marechal Hermes da Fonseca, que havia instituído a Política das Salvações, caracterizada por intervenções político-militares em diversos Estados do país, sufocando as revoltas que se levantavam contra a recém-criada República.

Ao receber a comunicação de que no interior de Santa Catarina, existia um levante monarquista, tropas do exército foram enviadas para a região, para verificar o que acontecia e reportar à autoridade superior.

Sabendo que uma coluna militar se movia para o interior, José Maria parte imediatamente para a localidade de Irani com todo o seu contingente de sertanejos.

A localidade de Irani nesta época pertencia a Palmas, cidade que estava na jurisdição do Paraná e que ainda debatia os limites do território com Santa Catarina. E ali ocorreu o primeiro combate que deu início à Guerra do Contestado. Era outubro de 1912.

No combate, José Maria morre. Assume a liderança dos sertanejos, Euzébio Ferreira dos Santos, que passa a fazer pregações ao povo.

Uma delas é de que ele recebera de José Maria a ordem para criar outro reduto em Taquaruçu. E que uma vez criado o reduto, José Maria ressuscitaria e traria o exército encantado de São Sebastião, para enfrentar numa guerra santa os “demônios da República”.

Em dezembro de 1913 Euzébio consegue seu intento, e o reduto da Cidade Santa do Taquaruçu é recriado.

Para alimentar o reduto, os sertanejos passam a assaltar as fazendas da região, matando gente e roubando tudo quanto pudessem carregar. Pouco se produz na lavoura, a considerar que a maior parte do tempo é gasto com exercícios militares e orações.

O coronel Albuquerque da vila de Curitibanos notifica a situação do Taquaruçu ao coronel Vidal Ramos, então Governador do Estado, informando que os jagunços (denominação usada pelo exército) traziam instabilidade ao sertão, matando pessoas, roubando cargas e tropas e atacando as fazendas da região.

O coronel Vidal Ramos envia o capitão Adalberto de Menezes para o Taquaruçu, comandando uma tropa de duzentos e vinte soldados e aproximadamente sessenta civis, sendo que a maioria dos civis deserta, ficando somente quinze para o confronto.

Os sertanejos são avisados da marcha, e preparam uma tocaia contra as tropas legalistas. A coluna do exército é atacada e dizimada no meio do mato, e os sobreviventes debandam em direção ao litoral catarinense para não serem exterminados.

Em janeiro de 1914 o coronel Zacarias de Paula Xavier (proprietário da Fazenda Butiá Verde) envia um mensageiro ao coronel Albuquerque, informando a respeito da derrota dos soldados no Taquaruçu.

Ciente que subestimou a força dos rebeldes, ainda em janeiro Albuquerque envia a Taquaruçu uma comitiva de paz, composta pelo deputado federal Manoel Correia de Freitas, coronel Henrique Rupp (de Campos Novos) e o coronel Antônio Rocha. Mas não há consenso para dispersar os sertanejos e extinguir o reduto.

Em fevereiro de 1914, os ataques e roubos às fazendas continuam e vão se alastrando para lugares mais distantes.

O governador Vidal Ramos é pressionado pelo quadro da guerra que ganha proporção, e sem conseguir soluções efetivas, renuncia.

Assume o governo o coronel Felipe Schimidt, militar sanguinário e autoritário que promete resolver a guerra a qualquer custo.

Schimidt envia outra expedição militar para o Taquaruçu, sob o comando geral do tenente coronel Dinarte de Aleluia Pires no comando de setecentos e cinquenta soldados e uma divisão de artilharia de montanha.

Em 8 de fevereiro de 1914, o exército cerca Taquaruçu, e bombardeia o reduto com munição pesada, incluindo bombas e granadas.

Pela madrugada uma chuva interrompeu os ataques. E os líderes do reduto mandam levar os sobreviventes ao reduto de Caraguatá, aproveitando a interrupção do bombardeio.

O exército invade o reduto no dia seguinte. As construções foram destruídas pelas centenas de granadas, e os soldados encontram somente corpos dos atingidos pelas bombas.

O episódio é classificado como “massacre”, porque o bombardeio atingiu indistintamente adultos, crianças, idosos e mulheres. Sem distinção.

Mais tarde, o autor curitibanense Euclides Felippe (que não viveu a guerra), vai criar uma figura lendária para Taquaruçu. Inspirado na história de Joana d´Arc, Felippe oferece em sua obra a história de Chica Pelega, uma jovem sertaneja chamada “Francisca Roberta”, que teria grande influência sobre o povo do reduto.

A lenda de Chica Pelega é adotada por praticamente todos os autores posteriores a Felippe, mas não há de fato, registro histórico que ateste sua existência.

A lenda conta que Chica foi a líder religiosa que defende Taquaruçu no ataque de fevereiro de 1914. Intrépida, teria comandado os quadros de defesa segurando o ataque tanto quanto pode.

Quando perceberam que a luta estava perdida, Chica teria orientado os sobreviventes a se refugiam na Igreja, que é incendiada pelo comandante do Exército.

Todos morrem queimados ali dentro. E aqui termina a lenda para nascer uma mártir, cultuada nas obras alusivas ao Contestado.

E com ela, termina também a história de Fraiburgo com o Contestado.

 

4. A imigração europeia

 

Após o término da Guerra do Contestado, muitas das famílias que aqui viviam, e fugiram para escapar do confronto, retornam à região.

Lentamente a vida vai ganhando seu curso, e os caboclos passam a criar porcos novamente no sistema de faxinais.

Os tropeiros levam esses animais para abatedouros em Rio do Sul e Joaçaba. Passa a ser muito comum na região, a tropeada de porcos engordados em encerras, com pinhão e butiá.

A partir de 1920, com o fim da Primeira Guerra Mundial, grandes contingentes de europeus passaram à condição de miserabilidade completa. A Guerra havia destruído boa parte da Europa, e sucateado os meios de produção.

Essa massa, representava importante força de trabalho, que poderia ser utilizada em outros locais. E assim, começam as imigrações para o novo mundo.

O primeiro roteiro, foi a América do Norte. Os Estados Unidos receberam centenas de milhares de imigrantes, gerando uma década de pujança e riqueza econômica.

Até 1929, quando o sistema econômico americano entra em colapso, e a fome e a miséria se fazem presentes naquela que seria um dia, a Nação mais rica do planeta.

Quando isso acontece, o Brasil passa a ser uma nova rota viável de migração.

Não que antes não houvessem iniciativas de povoamento com migrantes em nosso país. Mas é partir de 1929, que as grandes levas de migrantes, se direcionam para cá.

E é numa dessas levas de migrantes, que vem para o Brasil, um professor alemão, chamado Guilherme Frey.

Desembarcando primeiro no Paraná, a família Frey criou seus filhos, e os tornou empreendedores obstinados e intelectuais refinados. Com a mente aguçada de bons negociantes, trabalhando duro e tendo acesso a uma cultura superior, os Frey prosperaram.

No início ainda na cidade de Castro, no Paraná. Na década de 30, já vamos encontrá-los na localidade de Vitória, com uma pujante casa de abate e processamento de suínos.

A localidade ficava às margens de uma das estradas de tropas da região, que saía de Curitibanos, passava por Lebon Régis, Fraiburgo, Videira, Iomerê, Arroio Trinta, Salto Veloso, e iria se ligar à estrada maior, no que seria futuramente a BR 153. Vitória era o núcleo de povoamento que daria origem à Videira.

Fraiburgo, ainda contava com suas duas grandes estâncias de gado. A fazenda Butiá Verde, pertencente aos descendentes do Coronel Zacarias de Paula Xavier, e a fazenda Liberata, que tocara aos descendentes de Porfírio José de Oliveira e Generoso Andrade.

No outro extremo do caminho, um núcleo de povoamento de imigrantes alemães havia sido estabelecido pelo Governo.

Com muito deles vindos do Rio Grande do Sul (especialmente da região de São Leopoldo), a futura localidade de Marechal Hindenburg era um exemplo de colônia de imigração que estava rendendo bons resultados.

Muitos dos alemães que vieram para a colônia, eram artífices em alguma área (sapateiros, seleiros, ferreiros e veterinários práticos, por exemplo), permitindo a melhora na qualidade das manufaturas e serviços oferecidos ao povo da região.

No entremeio deste espaço, persistia uma grande área de terras, repleta de pinheirais, no espaço chamado de Campo da Dúvida.

A família Frey, liderada por seus dois irmãos mais velhos, René e Arnoldo, resolve vender a casa de abate de suínos, e investir em uma serraria, que pudesse abrir o espaço na mata de pinheirais, para desenvolver outras atividades, como a agricultura e a pecuária.

De começo empreitam o corte de madeira serrando os pinheirais a troco de metade da madeira (à meia). Com os recursos levantados, conseguem adquirir de Belizário e Aristiliano Ramos, fazendeiros da região de Lages, a área de terras que era denominada de Campo da Dúvida, e que ficava exatamente entre os três pontos geográficos mais destacados da futura Fraiburgo: a fazenda Liberata, a fazenda Butiá Verde e a colônia de Marechal Hindenburg.

E assim, surge a fazenda dos Frey, que logo se torna um potentado econômico para os padrões da época.

Da fazenda, as atividades evoluem para a empresa René Frey e Irmãos, que se torna mais tarde, um conglomerado gestor de múltiplos empreendimentos, contando com o beneficiamento de madeira, a fabricação de caixas, uma grande casa comercial e extensas áreas de campo, para engorde bovino.

Foi esta iniciativa, que deu origem ao núcleo de povoamento, associado à economia, do que seria futuramente Fraiburgo.

Quando foi elevada a Distrito, a localidade passa a ser denominada como “Butiá Verde”, herança da primeira estância de gado da nossa região.

Nos anos seguintes, Butiá Verde se desenvolve com a vinda de múltiplos imigrantes, principalmente italianos e alemães, para trabalhar nas diversas atividades das empresas dos Frey. Dali surgiram casas comerciais, empresas menores, prestadores autônomos de serviço e profissionais liberais.

Somente em 1961, é que se terá a emancipação do Município, já com atividades diversificadas, nos mais variados segmentos da economia, mas sempre orbitando em torno da pujança e do idealismo da família Frey.

A escolha do nome da cidade foi sugestão do idealizador do processo de emancipação política da cidade, o contador João Marques Vieira, que juntou o nome da família Frey à palavra “burgo”, designação genérica de cidade na Europa.

E ali nasceu oficialmente Fraiburgo.

Em 1963, René e Arnoldo compõe com duas famílias francesas (Mahler e Evrard), uma empresa societária denominada SAFRA, e trazem para Fraiburgo o engenheiro agrônomo Roger Biau.

Franco-argelino, Roger é encarregado do plantio das primeiras mudas de macieira em Fraiburgo, que acabaram sucumbindo por problemas diversos. A persistência de quem viveu uma vida de desafios fez essa sociedade franco-germânica continuar a investir no plantio de macieiras, sempre sob orientação da mente visionária de Roger Biau.

Em 1966, os Frey vendem a indústria de beneficiamento de madeira ao grupo curitibano Trombini. A fábrica que foi convertida para produção de papel e celulose, irá alcançar o presente como uma das maiores unidades do grupo.

Em 1975, após experimentar mais de 165 variedades de maçãs, o agrônomo Roger consegue identificar duas cepas que melhor se adaptam ao solo fraiburguense, e que tinham ampla aceitação no mercado.

E assim começa, o ciclo de ouro da pomicultura fraiburguense.

Em determinado ponto da história, a empresa René Frey e Irmãos, divide suas atividades formando novos e importantes conglomerados industriais.

A empresa Renar mantinha duas áreas de atuação. A produção de maçãs e a fabricação de móveis. E da divisão surge o grupo Pomifrai.

Delas nascerão ainda outras tantas empresas de produção de maçã, que transformaram Fraiburgo, por longo tempo, na maior produtora deste fruto, no Brasil.

Foi o período de maior pujança econômica da cidade, atraindo novas levas de migrantes tardios para trabalhar na indústria da maçã.

Em meados da década de 70, um dos filhos de René (Willy), passa a investir em reflorestamentos com pinheiro americano, renovando os meios de produção, quando o corte de araucárias se tornou proibido no país.

Os reflorestamentos permitiram a criação de um grande fábrica de móveis, que consolidará as atividades do grupo no futuro, resultando na Renar Móveis.

Outro personagem importante para a história da cidade foi Padre Biagio Simonetti. Imigrante italiano que veio para Fraiburgo com a missão de evangelizar e acabou dedicando quase três décadas de sua vida ao povo, fundando escolas, criando loteamentos e bairros, e sendo inclusive eleito prefeito do Município, assim como René e Willy Frey.

5. Conclusão

A história de Fraiburgo é rica em fatos e personagens.

As linhas gerais aqui indicadas, são referenciais para o poeta que pretende abordar o Tema Especial, valendo-se da riqueza bibliográfica que cerca a historiografia do Município.

A criatividade pode inspirar, a partir de uma linha, um verso. De uma palavra, uma estrofe. E de parte de uma história, algumas das mais belas poesias que a nossa língua já produziu.

Muito deve ser contado de Fraiburgo. Este resumo não abrange a riqueza e a amplitude desta história que para nós, é tão expressiva e repleta de cores e sons.

Por isso, me cabe apenas indicar o caminho. É a tarefa do madrinheiro.

De minha parte, creio ter cumprido este múnus tão gratificante. Já cantei esta terra linda, que me adotou como filho, em prosa e verso. Em poesia e música.

Agora, é a sua vez.

Que a história de Fraiburgo te encante, tanto quanto encantou a mim.

E que você possa amá-la, como todos nós fraiburguenses, amamos.

 

Osmar Antonio do Valle Ransolin

Lua Nova, 14 de março de 2024

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